segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Um Conto Feliz.

Era uma vez um garotinho. Seu nome era desconhecido por todos, pois afinal de contas ele não sabia falar. O garoto, coitado, era mudo e muito sozinho. Sua mãe tinha morrido no parto e o pai a abandonou antes mesmo de o filho nascer. O garoto sem nome era realmente muito triste e abandonado.
Ele morava em uma cidade também sem nome, debaixo de um viaduto sem nome e com um bichinho de pelúcia sem nome. Sua vida era literalmente anônima. O menino não tinha nada senão seu ursinho, e às vezes pegava um ou outro farelo de pão caído no chão. Porém, um dia tudo mudou.
O menino sem nome foi caminhar um pouco pelas ruas para pegar sol, quando de repente apareceu uma criatura estranha na sua frente. Ele não sabia direito o que era, mas também não era possível conhecer tudo, afinal ele nunca tinha ido à escola. Aquele ser era enorme e cheio de cores, e possuía quatro braços e sete pernas. Também tinha oito olhos (nunca era possível saber para onde eles estavam olhando) e três orelhas. Sua pele era meio gosmenta e alguns pêlos brilhavam à luz do sol. Não era nada comum, pensou.
O menino, diferente de todos à sua volta, não fugiu do monstro. Ele ficou lá para observá-lo, e tentar aprender qualquer coisa que fosse. Como temer o desconhecido? O garoto se sentiu triste apenas por não conseguir falar com ele, pois surgiram tantas perguntas na sua mente pequenina. E ele era incapaz de fazê-las devido a sua falta de fala.
O monstro, ao ver que apenas o menino tinha ficado, o pegou rapidamente e saiu correndo com ele em suas mãos. A velocidade ia aumentando a medida que os dois avançavam, e era claro o medo que a dupla ia provocando ao povo ali perto. As pessoas olhavam sem parar e tentavam descobrir o que era aquela cena que estava acontecendo no meio da cidade sem nome.
Depois de algum tempo, talvez horas, talvez anos; eles chegaram. Onde estamos?, o menino pensava. A criatura não falava, então a dúvida permaneceu. O lugar era deserto, e o chão era feito de folhas secas e pisadas. Pisadas por quem, se não existe ninguém aqui? O menino estava perdido e exigia saber onde estava. Portanto, começou a se remexer nas mãos do monstro para tentar demonstrar indignação. O ser estranho então apenas moveu uma de suas mãos para a boca do menino, calando-o. Vou ficar quieto a partir de agora, ele pensou raivoso.
Mais alguns passos e pronto! Agora sim tinham chegado. Aquele lugar era espetacular! A paisagem era bonita, montanhosa e cheia de árvores. Caminhos feitos de pedras redondas iam levando para casas, bem enfeitadas e delicadas. Algumas pequenas, outras maiores. Todas com uma porta e duas janelas. O ar era limpo, diferente do da cidade. Era cheio de animais voadores, mas não como pássaros, e sim como mini-pessoas aladas. Era incrível. Além de tudo, era cheio de criaturas como aquela que o segurava nas mãos enormes e peludas, mas cada uma com uma peculiaridade diferente. Alguns tinham antenas, outros mais cores, outros menos pêlos. Mas todos com o mesmo número de membros e olhos. O menino era o único humano ali presente.
Depois de andar mais um pouco, ele foi surpreendido ao ser colocado em um trono que se erguia no meio da “aldeia”. Ele não sabia se podia pensar naquilo como uma “aldeia”, por isso pensou com aspas.
O garoto então foi glorificado por todas aquelas criaturas ali presentes, e todos se curvaram para admirar sua beleza. O menino não estava entendendo. De repente, um monstro enorme parou na frente dele, o olhou com ternura e colocou delicadamente uma coroa na sua cabeça pequenina. O garoto sorriu, mas sem entender ainda. Logo depois, outro monstro – maior ainda – deu a ele um cajado cheio de penas e que fazia barulho quando chacoalhado. Antes que o menino tivesse tempo de sorrir, outro monstro – maior do que os dois anteriores – já se postava à sua frente e se agachava, fazendo uma prece aos céus. Os outros o imitaram e ficaram naquela posição por exatos dois minutos.
O monstro gigante então se levantou e os outros fizeram o mesmo. Logo depois, tirou de suas mãos um cordão com um pingente pendurado nele. Era um círculo com outro círculo dentro e assim por diante. Parecia não acabar. A criatura colocou o cordão no pescoço do menino, e ao fazer isso, o garoto soube.
Em apenas um segundo, ele sabia seu nome, de onde vinha e porquê estava ali. Ele sabia de tudo, e apenas devido àquele cordão e àquelas criaturas – que a propósito ele também sabia quem eram. Ele se sentiu poderoso pela primeira vez na vida, e finalmente sentiu que tinha achado seu verdadeiro lugar. Ele sorriu e gritou com toda a força que pôde:
- Está na hora de recomeçar! Juntos iremos alcançar o céu, se quisermos! – o garoto não pareceu surpreso ao ouvir sua própria voz, pois afinal ele sabia como ela era. Ele estava eternamente grato aos seus novos súditos, e prometeu fazer com que o mundo deles fosse o mais feliz de todos.
A partir daquele dia, o menino fez tudo que prometeu: conseguiu com que ele e seu povo alcançassem o céu – e além dele – e a felicidade eterna. Ele não era mais o garoto sem nome morando em um viaduto sem nome com seu bicho de pelúcia sem nome. Ele era o rei das criaturas mais belas do mundo, e enfim sentiu-se como sempre foi: um vencedor.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Médico e o Monstro: crítica

A obra prima de Robert Louis Stevenson é brilhante. Era de se esperar, afinal é o ápice da perfeição produzida por esse autor tão célebre. “O Médico e o Monstro” fala sobre o debate interminável entre o bem e o mal, porém dessa vez é regido por uma duplicidade quase palpável. O doutor Henry Jekyll vive em conflito com a parte malévola de seu eu interior: Edward Hyde. A transformação que o Dr. Jekyll se submete é irreal, afinal é impossível separar os dois extremos da moral humana. Porém, devido a uma poção, ele consegue realizar tal proeza, e vive em conflito com a sua outra face, materializada em uma forma deformada e conhecida como Mr. Hyde. O jogo que Stevenson fez com o nome das personagens é muito bem trabalhado e faz perfeito sentido, pois ele embutiu um “I kill” (eu mato) no nome do doutor e um “hidden” (escondido) no nome da criatura. Esse jogo de palavras mostra que Mr. Hyde é permanentemente uma parte escondida de Jekyll, e que este pode tanto amar quanto matar. A briga eterna entre o bem e o mal foi abordada do melhor jeito possível, e o clima de mistério que o “strange case” possui é o que dá um certo gás ao leitor. A perspectiva do advogado Utterson é a mais trabalhada, e já que ele não tem grandes conhecimentos sobre o que realmente está acontecendo, é como se nos acompanhasse nas descobertas sórdidas sobre a luta eterna entre Henry Jekyll e Edward Hyde. Stevenson foi esplêndido na escrita, e construiu sua obra prima ao bordar um enredo inimaginável com um vasto vocabulário escolhido a dedo para nos intrigar.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Escuridão.

A luz dela se foi. Foi-se embora, por meio de redemoinhos e multidões. Passos demorados, que se inclinavam para o lado esquerdo. Ou direito? Ela nunca sabia muito bem. Muitos números circundando sua pequena cabeça, e a criança ali instalada não perdeu tempo. Correr, correr, ela apenas queria correr! Passou pelos obstáculos e tentou encarar a verdade com a coragem de um adulto. Ela não era nem um nem outro; agora mesmo não sabia mais quem era. Uma garota confusa, talvez. Mais do que isso… Entretantos e etcs não paravam de aparecer. Mas e quanto aquela enlanguescência? Sim, ali estava, sempre presente. Junto com o arrependimento e o gosto amargo da solidão. Quanto tempo aquilo duraria? Quanto tempo mais ela demoraria para perceber que a luz já tinha se ido? Era difícil. A pressão a consumava, devagar. Os olhos de timbre triste nunca saiam de seu rosto. O sorriso também não parecia se consertar. Tinha sido quebrado há tanto tempo que ela não sabia mais como colá-lo. A cola estava ali, na sua frente, mas tinha ido embora junto com a luz. Aquela luz azul. O azul, que era dela, e dele. O azul que, junto com seu vermelho, formava o tão esperado violeta. Aquele violeta que traria as borboletas de volta para o seu jardim, que já estava tão abandonado. O regador nem se mostrava mais. Era peça perdida… Como ela! Algo em comum, pensou. Talvez não estivesse tão perdida assim. Talvez aquele cubo vermelho fosse só uma distração passageira e dolorosa. Talvez tudo fosse dar certo, afinal. Mas esse era só mais um de seus pensamentos otimistas sobre a verdade terrível da escuridão.

(16 de dezembro)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Eu Sou o Mensageiro: crítica

É impressionante como Markus Zusak não consegue nos desapontar. Confesso que comecei a leitura de “Eu Sou o Mensageiro” já sem expectativas, pois afinal não há nenhum livro que se compare ao célebre “A Menina Que Roubava Livros”. Porém, foi com felicidade que fui percebendo que ele não é escritor de um livro só. Esse romance é divertido, emocionante e real. Conta a história de Ed Kennedy, um fracassado de 19 anos que não faz nada além de dirigir seu táxi, jogar baralho e tomar café com seu cachorro fedido. Mas isso muda a partir do dia que ele recebe a primeira carta e se torna o mensageiro. Sua vida toma rumos diferentes dos de antes, e ele vai mudando pessoas à sua volta - para depois descobrir que a grande mudança foi na verdade em si mesmo. Zusak tem o poder incansável de escrever linhas reais com uma extrema sinceridade. Seus personagens são comuns, porém se tornam únicos e íntimos do leitor a medida que este avança nas páginas. A construção do livro é bem feita e nos mantém ligado completamente à ele, devido ao constante mistério que faz questão de ser apenas revelado nas últimas páginas. O único ponto que me desagradou foi o uso excessivo de palavrões (pois admito, não aprecio tal linguajar em obras), porém acho que eles foram necessários para a construção dos próprios personagens, e não vou condenar um escritor tão brilhante por um simples deslize. Enfim, o livro é bom e lhe trará boas risadas - além de emocionadas lágrimas e sorrisos.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Ignorância exacerbada.

O que me irrita é a incapacidade humana de se importar com as coisas certas. Isso me inclui. Eu seria extremamente hipócrita ao não me incluir nesse grupo. Sou tão ruim quanto todos eles, ou pior. Dou importância às minhas dores, em vez de me preocupar com problemas maiores e definitivamente mais relevantes. Mas isso não me impede de ficar indignada com esses dois problemas simultaneamente. Todos se preocupando com uma matéria completamente inútil quanto química, enquanto eu estou ocupada e preocupada com situações que merecem muito mais destaque. Por quê diabos somos tão egoístas? Por quê não damos prioridade às coisas certas? Por quê não tentamos mudar algo que mereça ser mudado? Por quê não posso fazer a diferença em coisas que podem ser consertadas ao invés de me focar em problemas sem solução? Por quê sou tão idiota? Por quê somos tão idiotas? Por quê? Não acredito que não posso ajudar. Minhas palavras devem servir de algo. Minhas palavras PRECISAM servir de algo. Eu preciso fazer alguma coisa, e se essa profissão não me ajudar nisso, provavelmente irei mudar. Os valores da sociedade estão completamente invertidos. Temos seis aulas de matemática por semana, e apenas uma de sociologia; sendo que a relevância das duas está trocada. Somos condicionados a privilegiar as matérias objetivas, tais quais matemática, física e química; sendo que nenhuma delas muda o mundo do jeito que ele realmente precisa. A química não irá resolver um problema generalizado de miséria, e muito menos irá nos mostrar que ele existe. E os tolos dando tanta importância a ela... Já chega. Preciso mudar isso. Precisamos mudar isso. É de nossa mínima obrigação, afinal esse é o mundo que vocês querer ver seus filhos crescerem? Sem apelações, se controle... Mas é muito. Muita dor para ser ignorada. Muita necessidade sendo colocada em segundo, pior às vezes, terceiro ou quarto plano. Ignorância exacerbada por parte da população, que a cada dia que passa se torna mais alienada. Onde foi parar a educação desse povo? Deve ter ido embora junto com o amor próprio e o conhecimento básico. Que dor, que dor que nada! A dor que importa não está sendo mudada, não tem ajuda para ser mudada... O que houve com aqueles seres revolucionários, que agora parecem tão distantes? Sumiram dentre a fumaça causada pela indústria televisiva e controladora, ao certo. O que ainda nos resta, infelizmente, é se impressionar toda vez que vemos a realidade estampada na nossa cara; mesmo que alguns dias depois voltemos a esquecê-la.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Lira dos Vinte Anos: crítica

A coletânea de poemas feita por Álvares de Azevedo é espetacular, para dizer o mínimo. "Lira dos Vinte Anos" é o livro que ele estava terminando de preparar quando faleceu, e reune o melhor de suas obras. A Lira é dividida em três partes bem distintas, sendo o amor e a morte - românticos - os temas predominantes em todas. A primeira e a terceira parte são mais sentimentais e foram escritas em um tom mais sincero, demonstrando o constante tormento interior do poeta. A mulher é tratada de formas diferentes nessas duas partes, ora doce e angelical; e ora sensual e tentadora. Porém, em ambas ela é inacessível, deixando clara a agonia que o eu-lírico sente em não conseguir tê-la. Já a segunda parte mostra um lado nunca visto antes de Maneco, que escreve poemas sadônicos e mordazes. Ele chega a zombar de sua própria condição de amante abandonado ao escrever sobre um eu-lírico que se apaixona por uma lavadeira (É ela! É ela! É ela! É ela!); e um amante que se suja todo no caminho para ver sua Dulcinéia (Namoro a Cavalo). É incrível a maneira que Maneco conseguiu mostrar os dois lados da moeda em um único livro, sendo que a moeda é ele mesmo, tornando a tarefa mais difícil ainda. O leitor se sente submerso no mundo que Azevedo criou durante toda a leitura, e é possível sentir tanto a dor quanto o amor ali registrados em palavras. Todos os poemas são extremamente bem escritos, e a sinceridade ali exposta emociona até onde não pode mais. É praticamente impossível ler os versos perfeitos de Álvares de Azevedo e não se derramar em lágrimas.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Separados por um século e meio.

E o que fazer no momento em que você descobre que sua alma gêmea morreu há 160 anos? Estou nessa emboscada… Meu Manuel! Meu Manuel Antônio Álvares de Azevedo! Meu Maneco… morto há 160 anos! Mas se eu pudesse conhecê-lo, ah se eu pudesse! Ele me convidaria para uma volta rápida na cidade, e depois de alguns encontros pegaria com delicadeza a minha mão escondida na diáfana luva… Eu coraria e depois me despediria dele com um aceno… Eu iria para casa e me derramaria em suspiros: oh! “Mas que belo moço que estás a me cortejar…” No dia seguinte, ele me surpreenderia com versos feitos para mim, e eu me entorpeceria com a sua voz doce recitando o sublime poema… Eu iria cair de amores, por ele, pelo meu Manuel… Em seguida, ele pediria minha mão ao meu pai, e eu explodiria em felicidade quando tivéssemos a aprovação. E, na mesma noite, ele iria visitar-me ao pé da minha sacada e jogaria pequenas pedras nela para me acordar… Eu levantaria e iria de encontro a ele, e talvez deixasse que ele roubasse um beijo ou dois… Eu chegaria em casa e cairia nos braços de Morpheu mais feliz do que nunca, me derretendo de amor! E então nos casaríamos e seríamos felizes até que a morte nos separasse… Mas ela já fez isso. A morte já nos separou, com 160 anos de diferença. E agora, o que me resta senão lamentar a falta eterna de minha donzela, pálida e virgem?

Conclusão: nasci na época errada e obviamente não adianta mais eu querer um Maneco pra mim, pois sei que, nos dias de hoje, ele não existe. Portanto, não me julguem por eu ter uma paixão enrustida por um poeta morto, e sim tentem entender que às vezes tudo que é preciso são palavras. Ah, e me desculpem pela sinceridade. Às vezes ela bate à minha porta e preciso deixá-la entrar.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

P.S.

O que eu faço com os livros é na verdade uma resenha, mas é divertido falar 'crítica', então é isso aí.

Noite na Taverna: crítica

A única narrativa em prosa de Álvares de Azevedo representa perfeitamente o seu estilo e preferências. A história se passa em, como diz o título, uma taverna - nome antigo para ‘bar’; num clima de delírio e devaneio. O ambiente é propício para o que acontece em seguida: ébrios compartilham casos macabros que já lhes aconteceram, cujos temas são tipicamente românticos: amor e morte. Os personagens cumprem rigidamente as regras, sendo que os heróis possuem os traços ultra-românticos: cinismo, despudor e o ‘don-juanismo’ de Byron. As musas sombrias também não fogem nada dos padrões físicos: pálidas, virgens e ou estão mortas ou adormecidas. As histórias que são contadas geralmente começam de um amor profundo e idealizado, e terminam com um epílogo sangrento e fúnebre. É inexplicável o jeito que Maneco - me permitam a intimidade, me considero melhor amiga dele (risos) - nos mantém presos ao pequeno romance, através de metáforas e antíteses que entorpecem o leitor diante de tanta informação. Outro ponto extremamente relevante na obra é a imensa quantidade de intertextualidade que Maneco faz, mostrando com tranquilidade o seu extenso conhecimento em inúmeras áreas - desde línguas à leitura assídua de poetas e dramaturgos europeus. Álvares de Azevedo foi brilhante ao construir essa obra perfeita, bordada com um vocabulário de tirar o fôlego e atitudes inesperadamente surpreendentes.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Olá depois de adeus.

Olá leitores (existe algum?), estou de volta à minha cidade natal - apesar de eu preferir a que eu estava - e trouxe muitos textos, sonetos e poemas comigo. Postarei os que eu considerar relevantes e espero que gostem.